segunda-feira, 13 de julho de 2009

Você sabe com quem está falando?

Uma das poucas coisas que me tiram do sério é "argumento de autoridade". Ainda na infância, raramente me satisfazia com explicações do tipo "porque eu quero" ou "porque é assim que deve ser", mesmo quando sob pena de ganhar um castigo, quiça uma boa chinelada. Na fase adulta, me policio bastante para não repetir tais gestos, não obstante vez em quando me baixar um "espírito stalinista" não muito disposto a aceitar posições contrárias as minhas.

O antropólogo Roberto da Matta desenvolveu um ensaio sobre o tema, discorrendo sobre a distinção entre indivíduo e pessoa no Brasil. A pernóstica expressão "você sabe com quem está falando?" é o reflexo ritualizado de uma separação social que contradiz as principais características do povo brasileiro. Citando o autor, "é a negação do jeitinho, da cordialidade e da malandragem, traços tomados para definir o nosso modo de ser".

Instala-se aí um grande paradoxo: vivemos numa sociedade com características cordiais e universais, porém com valorização do hierarquizado e do particular. Convivemos enquanto sociedade com dois focos de realidade: um de integração e cordialidade e outro de categorias exclusivas sujeitas a respeitos e deferências.

Na obra "A escola e o conhecimento" , Mario Cortella desenvolve, a partir da análise da formação do universo, um argumento que deve servir como resposta àqueles que se sentem privilegiados em relação a sua posição social e econômica. Apresento uma versão resumida da história...

A física quântica derrubou a idéia de que vivemos num universo único. A ciência fala de multiverso e que nos habitamos um dentre os infinitos universos possíveis. Nosso universo, criado há aproximadamente 15 bilhões de anos, deve ser engolido por algum buraco negro daqui a 12 bilhões de anos.

Um universo é formado por liberação de energia (Big-Bang, Deus, ou aquilo que você queira acreditar, mas o fato é que há energia), formando estrelas que se agregam em galáxias. Estima-se que em nosso universo existem 200 milhões de galáxias. Portanto habitamos uma dentre outras 199.999.999 galáxias, num dos universos possíveis e que mais dia, menos dia, irá desaparecer.

A via-láctea, que é a nossa galáxia, possui 100 bilhões de estrelas, dentre elas o Sol. Em volta dessa estrela giram oito (ou nove, dependendo do ponto de vista) massas planetárias sem luz própria. A terceira delas, a partir do Sol, chama-se Terra. Nesse planeta,a ciência calcula que existem 3 milhões de espécies de seres que têm uma coisa chamada vida, e uma delas é o homo sapiens.

A raça humana é composta de aproximadamente 7 bilhões de indivíduos (eu sou um deles e você certamente é outro). Assim, cada um de nós é um dentre 7 bilhões, pertencentes a uma única espécie dentre 3 milhões de outras espécies, que vive num planeta que gira em torno de uma estrela dentre 100 bilhões de estrelas, que compõe uma das 200 milhões de galáxias num dos universos possíveis e que mais dia menos dia irá desaparecer.

Com tantas possibilidades, como irei saber com que estou falando?



3 comentários:

  1. Muito bom, tio!
    Realmente atitudes como essas devem ser discutidas. Mas tem que ser assim, com muita base teórica...que é para saberem "com quem estão falando".

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  2. Legal Flávio, mas que as vezes dá vontade de resolver na porrada, dá!

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  3. Fala, parceiro!

    Isso lembra aquela história do "guarda bonzinho" e do "guarda malvado" transposta para o mundo dos "espertos": assim, o "esperto bonzinho" usa o jeitinho e o "esperto malvado" usa o sabe-com-quem. Gérson explica!

    Um abraço,
    Acácio.

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