domingo, 24 de maio de 2009

Mais uma dose

Antes de iniciar, é de bom tom esclarecer que não pretendo aqui fazer apologia de coisa alguma, muito menos do álcool – apesar da minha total falta de compromisso com o “politicamente correto". Reconheço que as bebidas alcoólicas, quando não usadas com moderação levam a ruína humana. Creio que todo mundo conhece uma história relacionada à alcoolismo, e elas nunca têm um final feliz. Entretanto, devemos admitir que o mundo seria muito pior sem os bebuns.

Robert Dudley, cientista da Universidade da Califórnia, mostra a importância do álcool como fator decisivo à evolução da raça humana, na “teoria do macaco bêbado”. Segundo essa tese, a atração pelo álcool conferiu a nossos ancestrais, há 40 milhões de anos atrás, uma vantagem competitiva na competição por frutas maduras – base da dieta de nossos antepassados. O calor e a umidade das regiões onde se desenvolveu a espécie humana favoreciam a fermentação nas cascas e polpas das frutas, provocando a conversão de açucares em etanol. O cheiro do etanol passou a ajudar os primatas na busca por alimentos mais nutritivos, beneficiando aqueles que, já naquelas priscas eras, eram chegados a uma birita. Daí, esses hominídeos, abusados como bons bêbados que eram, desceram das árvores para colher frutas fermentadas e ficaram eretos, não obstante os tigres dentes-de-sabre ávidos por um petisco.

A prova desse postulado está nos nossos genes. Possuímos enzimas mobilizadas exclusivamente para a digestão do etanol, que dificilmente existiriam caso não se constituísse numa vantagem evolutiva. Hoje, descemos das árvores e mudamos a dieta, mas a predileção pela “água que passarinho não bebe” ainda permanece.

Devo acrescentar ainda que, do ponto de vista da formação sociopolítica, o álcool vem desempenhando um papel importante desde a Antiguidade. A fixação do homem na terra passou pela introdução da atividade agrícola, onde eram cultivados o trigo e a cevada, ingredientes da secular cerveja. Sociedades foram formadas e nações guerrearam pelo álcool.

Sob o aspecto sociológico, o ato de beber tem contribuído para aproximar as pessoas num mundo que se mostra cada vez mais individualista. Nem a internet, nem a Tv a cabo ou qualquer outra inovação tecnológica conseguiram substituir o velho bate papo no boteco da esquina. E essa integração e interação se fazem com álcool. Como dizia o velho Vinícius de Moraes: “nunca fiz amigos tomando vitamina de abacate”.

As conversas regadas a álcool, sejam a dois, a três ou em bando, tendem a ser cobertas de espontaneidade. É claro que a bebida também produz os seus inconvenientes. Alguns indivíduos ficam extremamente chatos quando estão bêbados. Nesse particular, destacam-se o depressivo, o brigão e o mais pentelho deles, aquele que repete mil vezes a mesma coisa – em geral é aquele que, sóbrio, mal fala e de pileque fica repetindo a noite toda que te “considera pra caramba”.

Em um mundo cujas normas são ditadas pelas aparências, onde só ser não basta, o álcool é o elemento que faz cair todas as máscaras. Você pode representar vários papéis, no trabalho, em casa, pro seu grupo social, mas nem o melhor dos atores consegue manter-se como aquilo que de fato não o é, com algum etanol nas veias. O álcool, ao tirar máscaras mostra a verdadeira essência das pessoas – tanto pro bem quanto pro mal – fazendo que o usuário exponha seus defeitos e, sobretudo, suas virtudes.

Se você quiser conhecer verdadeiramente alguém, sente-se com ela numa mesa de bar e bebam. Ali, todas as defesas são desarmadas e sentimentos e intenções são impostas... umas doses sejam lá do que for, fazem aflorar mais verdades do que qualquer detector de mentiras. Assim como Zeca Pagodinho, eu também acho que não dá pra confiar em quem não bebe.

É claro que há uma regra a ser seguida no uso do álcool: moderação. Afinal, você não quer ultrapassar a tênue linha existente entre o descontraído pileque e o bêbado ridículo, né? E ainda vale uma máxima muito velha, porém aplicável: cu de bêbado não tem dono...